Cuidado farmacêutico ao idoso

O papel do farmacêutico no cuidado a pacientes idosos

Publicado em: 2 de março de 2021  e atualizado em: 4 de novembro de 2021
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Nathália Christino Diniz Silva
CRF-SP nº 50.341
Farmacêutica
Pós-graduada em Farmacologia Clínica e
Gestão Estratégica de Pessoas: Desenvolvimento Humano de Gestores

 

O envelhecimento populacional tem registrado números cada vez mais expressivos1. Conforme indicado pela Organização das Nações Unidas, até o fim de 2020 o número de crianças com menos de 5 anos deverá ser superado pelo de pessoas com 60 ou mais e, em 2050, a quantidade de idosos deverá mais do que duplicar, ultrapassando 1,5 bilhão de pessoas2. No Brasil, também se observa aumento na proporção de idosos (de 1960 a 2002, o número de pessoas com 60 anos ou mais cresceu cerca de 500%3) e projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apontam que, em 2050, 28% da população brasileira será de pessoas com 60 anos ou mais4

Com o processo de envelhecimento, ocorrem diversas alterações fisiológicas e, de modo geral, diminuição gradual das capacidades física e mental, bem como aumento da probabilidade de desenvolver doenças crônicas5,6 e utilizar medicamentos. Além disso, o sistema de saúde atual tende a gerenciar os problemas de forma fragmentada, contribuindo para consultas a múltiplos especialistas, sem o compartilhamento de informações entre os envolvidos3,5. Todas essas condições favorecem a ocorrência de problemas relacionados à farmacoterapia, fazendo os idosos necessitarem de mais cuidados para alcançar o uso racional1 e seguro de medicamentos. A necessidade de atenção especial também se deve às grandes chances de baixa adesão ao tratamento, causadas, entre outros motivos, pela prevalência de prejuízo cognitivo e funcional nessa população1

Nesse cenário, considerando que o farmacêutico representa uma das últimas oportunidades de identificar, corrigir ou reduzir possíveis riscos associados à terapêutica7, a atuação do profissional com idosos torna-se fundamental. O modelo de prática do cuidado farmacêutico também assume protagonismo, podendo levar benefícios à adesão ao tratamento, aos resultados do uso dos medicamentos e à satisfação dos pacientes8

Por meio do cuidado farmacêutico, é possível a “provisão de diferentes serviços farmacêuticos, visando a prevenção e a resolução de problemas da farmacoterapia, ao uso racional e ótimo dos medicamentos, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde, bem como a prevenção de doenças e de outros problemas de saúde”9.

Conforme as necessidades de saúde do paciente e a complexidade do caso, o profissional pode realizar serviços como revisão da farmacoterapia, acompanhamento farmacoterapêutico, gestão da condição de saúde, conciliação de medicamentos, educação e rastreamento em saúde, manejo de problemas de saúde autolimitados, entre outros9. É importante ressaltar que o paciente pode apresentar necessidades que serão atendidas por meio de um ou mais serviços9, cabendo ao farmacêutico avaliar o que será mais efetivo, de acordo com cada caso, bem como a pertinência de realizar consultas farmacêuticas. 

Além disso, vale destacar que é essencial que o profissional estabeleça um vínculo com o paciente, utilizando linguagem apropriada e garantindo sigilo das informações, e realize o serviço em ambiente com instalações adequadas quanto à acessibilidade e à segurança e que proporcione privacidade, conforto e bem-estar1. A seguir, são apresentados, de forma simplificada e exemplificada, alguns serviços relacionados ao cuidado farmacêutico que o profissional pode prestar a pacientes idosos.

Educação em saúde 

Utilização de diferentes estratégias educacionais para desenvolver a autonomia e a responsabilidade das pessoas com o cuidado de sua saúde e da comunidade à qual pertencem9. Como exemplo, no caso de pacientes idosos, com diabetes e que fazem uso de insulina e hipoglicemiante oral, o farmacêutico poderia entregar um folder com informações sobre a doença, a importância da adesão ao tratamento, complicações, mudanças de hábitos e estilo de vida, etc.; utilizar cartazes para orientar sobre o uso, o armazenamento e o descarte correto da insulina e do hipoglicemiante oral; realizar demonstração da técnica de uso do glicosímetro e da caneta aplicadora de insulina, incluindo os locais mais indicados para aplicação e realização de rodízio. Nesse momento, o farmacêutico poderia observar, por exemplo, que o paciente utiliza uma única lanceta diversas vezes para a automonitorização da glicemia e possui dificuldades com o uso do glicosímetro e da caneta aplicadora de insulina, o que poderia indicar a necessidade de orientação sobre a importância da não reutilização de lancetas e até a troca do glicosímetro e da caneta para modelos que mais se adaptem ao paciente.

Gestão da condição de saúde 

Gerenciamento de fator de risco, doença ou condição de saúde específica, já estabelecida, a fim de alcançar determinados objetivos terapêuticos e auxiliar na melhora da eficiência e da qualidade da atenção à saúde, em um contexto multiprofissional9. Como exemplo, no caso de pacientes idosos, com síndrome metabólica, que utilizam diversos medicamentos e apresentam níveis glicêmicos superiores aos recomendados, o farmacêutico, com a concordância e a participação ativa dos pacientes e em conjunto com outros profissionais que fazem o acompanhamento deles, poderia estabelecer uma meta glicêmica e desenvolver estratégias e intervenções para diminuir os níveis de glicemia, a fim de alcançar o valor estabelecido. 

Conciliação de medicamentos 

Elaboração de lista detalhada dos medicamentos usados pelo paciente, conciliando informações provenientes de fontes diversas (paciente, familiares, cuidadores, prescrição, entre outras), visando prevenir erros de medicação decorrentes de discrepâncias não intencionais e evitar danos desnecessários, principalmente quando o paciente transita por diferentes níveis de atenção ou serviços de saúde9. Como exemplo, no caso de pacientes idosos, que utilizam medicamentos prescritos durante a alta hospitalar, antiinflamatório prescrito pelo ortopedista e outros medicamentos por conta própria, em razão de dor aguda na região lombar, o farmacêutico poderia elaborar uma lista com todos os medicamentos (com nome, princípio ativo, concentração, forma farmacêutica, dose, via de administração e frequência de uso, duração do tratamento etc.), verificar se há duplicidade (por exemplo, de antiinflamatórios) e realizar a devida orientação. 

Revisão da farmacoterapia 

Análise estruturada e crítica dos medicamentos em uso pelo paciente, a fim de melhorar a adesão ao tratamento e os resultados terapêuticos, além de reduzir a ocorrência de problemas relacionados à farmacoterapia e o desperdício de recursos9. Como exemplo, no caso de pacientes idosos, que fazem uso de diversos medicamentos, incluindo antidepressivo, antipsicótico, diurético, anticoagulante e inibidor da bomba de prótons, após analisar criticamente a farmacoterapia, o farmacêutico poderia identificar interações medicamentosas (por exemplo, entre o anticoagulante e o antidepressivo) e sugerir alterações ao prescritor para otimizar o tratamento.

Independentemente do serviço a ser prestado, é importante destacar que existem inúmeras ferramentas que podem auxiliar o farmacêutico no cuidado a pacientes idosos, a fim de minimizar os riscos do uso de medicamentos1. Como exemplo, pode-se citar as listas baseadas no critério de Beers – atualizadas pela Sociedade Americana de Geriatria – que apresentam medicamentos potencialmente inadequados a idosos10, ou seja, cujos riscos são maiores que os benefícios11, devendo seu uso ser evitado ou realizado com cautela pela maioria dos pacientes ou em situações específicas, como em determinadas doenças ou condições1,10. Vale lembrar que a avaliação da farmacoterapia deve ser efetuada caso a caso, portanto, em certas situações, pode ser apropriado o uso de medicamentos constantes das listas1.

Considerando que muitos medicamentos utilizados pelos pacientes idosos são prescritos por outros profissionais, a interação do farmacêutico com os prescritores é imprescindível e o trabalho colaborativo com uma equipe multidisciplinar apresenta diversos benefícios, como “mais adesão e melhor resolutividade dos tratamentos, redução de morbidades relacionadas a reações adversas e interações medicamentosas, além de impacto farmacoeconômico positivo na farmacoterapia adotada”1.

Diante do contexto apresentado, fica evidente a importância do farmacêutico no cuidado a pacientes idosos, principalmente no que se refere ao uso seguro e racional de medicamentos e a adesão e à otimização do tratamento. O cuidado farmacêutico a pacientes idosos, estruturado de forma a atender a todas as suas particularidades e integrado a outros profissionais, colabora para uma experiência mais positiva dos pacientes no sistema de saúde e para o envelhecimento saudável, agregando qualidade aos anos adicionais de vida.

 

 

 

Referências bibliográficas: 1. Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo. Cuidado farmacêutico ao idoso. Acesso em: nov. 2020. 2. Organização das Nações Unidas. População na terceira idade deverá duplicar até 2050 ultrapassando 1,5 bilhão. Acesso em: 7 nov 2020. 3. Veras RP, Oliveira M. Envelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Acesso em: 7 nov 2020. 4. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Acesso em: 7 nov 2020. 5. World Health Organization. Ageing and life-course.  Acesso em: 7 nov 2020. 6. World Health Organization. Ageing and health. Acesso em: 7 nov 2020. 7. Pepe VLE, Castro CGSO. A interação entre prescritores, dispensadores e pacientes: informação compartilhada como possível benefício terapêutico. Acesso em: 7 nov 2020. 8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Cuidado farmacêutico na atenção básica _ Caderno 1: Serviços farmacêuticos na atenção básica à saúde. Acesso em: 1 nov 2020. 9. Conselho Federal de Farmácia. Serviços farmacêuticos diretamente destinados ao paciente, à família e à comunidade: contextualização e arcabouço conceitual. Acesso em: 1 nov 2020. 10. Comelato C, Serrano PG. Atualização dos Critérios de Beers AGS 2019, para medicações potencialmente inapropriadas em idosos. Acesso em: 7 nov 2020. 11.   Quinalha JV, Correr CJ. Instrumentos para avaliação da farmacoterapia do idoso: uma revisão.  Acesso em: 7 nov 2020.

Este material tem caráter meramente informativo. Não deve ser utilizado para realizar autodiagnóstico ou automedicação. Em caso de dúvidas, consulte sempre seu médico.
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