Novas práticas farmacêuticas

Humanização, eficiência e segurança na prática do profissional farmacêutico

 

Publicado em: 18 de novembro de 2020  e atualizado em: 4 de novembro de 2021
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Nathália Christino Diniz Silva

CRF-SP nº 50.341

Farmacêutica

Pós-graduada em Farmacologia Clínica e 

Gestão Estratégica de Pessoas: Desenvolvimento Humano de Gestores

 

A área da saúde no Brasil, em especial a farmacêutica, tem passado por diversas transformações nos últimos anos, estimuladas, entre outros fatores, pela transição demográfica e epidemiológica da população, por mudanças do comportamento relacionado à saúde, pelo crescimento do uso de tecnologias e ferramentas digitais e por alterações regulatórias. Esses fatores também têm impactado transformações nas farmácias – estabelecimentos que representam, muitas vezes, a primeira possibilidade de acesso das pessoas ao cuidado em saúde1 – e nos serviços por estas prestados.

 

Sob o ponto de vista regulatório, vale destacar que vem sendo publicada e revisada uma série de normas, visando proteger mais a saúde da população e trazendo mudanças significativas ao setor regulado. No que se refere às farmácias, no contexto dos serviços, merecem destaque a Lei no 13.021/20142, a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no 44/20093 e as Resoluções do Conselho Federal de Farmácia no 585/20134 e no 586/20135. De modo geral, tais normas reforçam que as farmácias são estabelecimentos de saúde destinados a prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientações sanitárias individual e coletiva2, devendo cumprir as boas práticas farmacêuticas para o controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercialização de produtos e da prestação de serviços3. Além disso, reconhecem a autoridade técnica do farmacêutico nesses estabelecimentos2 e regulamentam as atribuições clínicas do profissional4 e a prescrição farmacêutica5, evidenciando a atuação voltada ao uso seguro e racional de medicamentos, a resolução de problemas da farmacoterapia, a prevenção de agravos e a promoção, a proteção e a recuperação da saúde4.

 

Neste cenário, a farmácia é caracterizada como ambiente de prestação de cuidado em saúde e o farmacêutico, como profissional comprometido com a população, em razão de seus valores, responsabilidades, funções, conhecimentos, habilidades, atitudes e destreza na prestação de serviços, incluindo o processo de dispensação6. De modo complementar, quando a dispensação é realizada de forma ética, legal e tecnicamente correta e o paciente percebe que sua qualidade de vida apresenta uma melhora, ele passa a reconhecer o farmacêutico como um ator importante da equipe de saúde e a farmácia como um verdadeiro estabelecimento de saúde, criando um vínculo com o profissional e a farmácia6.

 

O vínculo estabelecido pode ser fortalecido por meio do cuidado centrado no paciente e do atendimento personalizado – fatores estratégicos para gerar valor e tornar a jornada do paciente positiva.

 

O cuidado centrado no paciente representa “uma relação humanizada que envolve o respeito a crenças, expectativas, experiências, atitudes e preocupações do paciente ou cuidadores quanto às suas condições de saúde e ao uso de medicamentos, na qual farmacêutico e paciente compartilham a tomada de decisão e a responsabilidade pelos resultados em saúde alcançados”4. Dessa forma, para construir uma relação terapêutica de cuidado centrado no paciente, é necessário que o farmacêutico compreenda quem é o paciente (considerando-o em sua totalidade, enquanto pessoa que apresenta necessidades de saúde), reconheça a autonomia dele no processo e faça com que ele entenda a importância dele no sucesso do tratamento, encorajando-o a participar mais no cuidado com sua saúde.

 

Durante todo o processo de cuidado centrado no paciente, é fundamental que o farmacêutico utilize seus conhecimentos e habilidades de comunicação (inclusive a comunicação não verbal), a fim de adequar a linguagem às necessidades, à condição socioeconômica e ao nível cultural do paciente e exercer os papéis de facilitador da aprendizagem e de educador em saúde6,7.

 

Dentro do contexto do cuidado centrado no paciente, a dispensação deve ser conduzida de forma personalizada, estimulando a adesão terapêutica, coibindo o abandono do tratamento e a automedicação e incluindo informações suficientes para o uso seguro e correto de medicamentos, como efeitos esperados, contraindicações, interações, eventos adversos, modo de usar, posologia, forma e via de administração, condições de conservação e descarte6.

 

O farmacêutico deve, ainda, enfatizar determinadas informações conforme o perfil de cada paciente, esclarecer dúvidas e, quando pertinente, fornecer orientações não farmacológicas6. Se houver a apresentação de prescrição, antes de iniciar a orientação, será necessário que o farmacêutico observe os aspectos técnicos e legais do receituário2 e avalie o grau de entendimento do paciente em relação às informações fornecidas pelo prescritor6.

 

Considerando o cuidado centrado no paciente como premissa, é possível, ainda, que o farmacêutico realize diversos outros serviços, de acordo com as necessidades de saúde do paciente e a complexidade do caso, como rastreamento em saúde, manejo de problemas de saúde autolimitados, gestão da condição de saúde, revisão da farmacoterapia, acompanhamento farmacoterapêutico, entre outros1,8. Para prestar esses serviços, pode ser necessária a realização de consultas farmacêuticas, conduzidas em ambiente privativo8, cujo método clínico é apresentado a seguir, de forma simplificada.

 

Inicialmente, o farmacêutico deve realizar o acolhimento, demonstrando respeito, sensibilidade e atenção à comodidade do paciente e zelando pela privacidade6,7. Durante o acolhimento, cria-se uma situação de empatia, em que o profissional realiza uma escuta ativa e qualificada dos problemas de saúde relatados6,9.

 

Na etapa seguinte, o farmacêutico deve realizar a anamnese e, se necessário, verificar parâmetros clínicos do paciente, identificando9,10:

  • necessidades e problemas de saúde;
  • problemas relacionados à farmacoterapia;
  • situações especiais e precauções;
  • informações relevantes para selecionar a melhor conduta para a resolução dos problemas;
  • situações de alerta que determinam a necessidade de encaminhamento a outro profissional/serviço de saúde.

 

Após a análise das informações, o farmacêutico deve elaborar um plano de cuidado, com a participação do paciente, incluindo uma síntese da situação, intervenções para a resolução das necessidades e problemas de saúde, objetivos terapêuticos e parâmetros para avaliação dos resultados9,10. Como exemplos de intervenções, pode-se citar a seleção de terapia farmacológica ou não farmacológica, o encaminhamento a outro profissional/serviço de saúde e a solicitação de exames laboratoriais, no âmbito da competência profissional do farmacêutico, com a finalidade de monitorar os resultados da farmacoterapia9,10. Caso o farmacêutico identifique ser necessário elaborar uma prescrição, deverá se basear nas necessidades de saúde do paciente, nas melhores evidências científicas e em princípios éticos, além de observar o disposto na Resolução do Conselho Federal de Farmácia no 586/2013 e nas políticas de saúde vigentes5.

 

Com o plano de cuidado implementado, o farmacêutico deve avaliar os resultados das intervenções selecionadas e a evolução do quadro do paciente, tomando as providências cabíveis em cada caso9,10. Cabe lembrar que todo o processo clínico, desde o acolhimento até a avaliação dos resultados, deve ser documentado9,10.

É necessário, ainda, destacar alguns pontos:

  •        A Anvisa submeteu à consulta pública, para comentários e sugestões do público em geral, uma proposta de RDC que altera os dispositivos relacionados a serviços de saúde da RDC da Anvisa no 44/2009. Dessa forma, é imprescindível que o farmacêutico fique atento às atualizações sobre o assunto, uma vez que poderá impactar os serviços realizados nas farmácias.
  •      Exames realizados na farmácia não possuem o objetivo de diagnóstico, devendo ser utilizados para subsidiar o cuidado farmacêutico com informações sobre o estado de saúde do paciente e situações de risco, permitindo o acompanhamento ou a avaliação da eficácia do tratamento.

 

Por fim, é importante ressaltar que não se pretende esgotar as possibilidades de atuação do farmacêutico no processo de cuidado, mas apresentar oportunidades para atender às necessidades de pacientes cada vez mais exigentes e que possuem mais acesso a informações sobre saúde, destacando a importância de realizar um atendimento de excelência, centrado no paciente, e de estabelecer uma relação de confiança, superando as expectativas apresentadas.

  

Referências bibliográficas

 

1.    Conselho Federal de Farmácia. Serviços farmacêuticos diretamente destinados ao paciente, à família e à comunidade: contextualização e arcabouço conceitual. Disponível em:  https://www.cff.org.br/userfiles/Profar_Arcabouco_TELA_FINAL.pdf. Acesso em: 1o nov 2020.

2.    Brasil. Lei no 13.021/2014, que dispõe sobre o exercício e a fiscalização das atividades farmacêuticas. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1000&pagina=1&data=11/08/2014. Acesso em: 1o nov 2020.

3.    Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução de Diretoria Colegiada no 44/2009, que dispõe sobre Boas Práticas Farmacêuticas para o controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercialização de produtos e da prestação de serviços farmacêuticos em farmácias e drogarias e dá outras providências. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=78&data=18/08/2009. Acesso em: 1o nov 2020.

4.    Conselho Federal de Farmácia. Resolução no 585/2013, que regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico e dá outras providências. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=186&data=25/09/2013. Acesso em: 1o nov 2020.

5.    Conselho Federal de Farmácia. Resolução no 586/2013, que regula a prescrição farmacêutica e dá outras providências. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=136&data=26/09/2013. Acesso em: 1o nov 2020.

6.    Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo. Projeto Farmácia Estabelecimento de Saúde _ Fascículo VIII: Dispensação de medicamentos. Disponível em: http://www.crfsp.org.br/documentos/materiaistecnicos/fasciculo_8.pdf. Acesso em: 1o nov 2020.

7.       Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo. Manual de orientação ao farmacêutico: conduta e postura profissional. Disponível em: http://www.crfsp.org.br/documentos/materiaistecnicos/Conduta_e_Postura_Profissional.pdf. Acesso em: 1o nov 2020.

8.    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Cuidado farmacêutico na atenção básica _ Caderno 1: Serviços farmacêuticos na atenção básica à saúde. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/servicos_farmaceuticos_atencao_basica_saude.pdf. Acesso em: 1o nov 2020.

9.    Conselho Federal de Farmácia. Curso on-line: prescrição farmacêutica no manejo de problemas de saúde autolimitados: módulo 2: unidade 1: semiologia farmacêutica e raciocínio clínico. Disponível em: https://www.cff.org.br/userfiles/Apostila%201(1).pdf. Acesso em: 1o nov 2020.

10.  Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo. Projeto Farmácia Estabelecimento de Saúde _ Fascículo XI: Consulta e prescrição farmacêutica. Disponível em: http://www.crfsp.org.br/documentos/materiaistecnicos/fasciculo_11.pdf. Acesso em: 1o nov. 2020.

 

Este material tem caráter meramente informativo. Não deve ser utilizado para realizar autodiagnóstico ou automedicação. Em caso de dúvidas, consulte sempre seu médico.
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