Artrites para o médico generalista

Que tal saber mais sobre as principais características que devem ser investigadas diante de um paciente com artrite?

Publicado em: 9 de agosto de 2022  e atualizado em: 9 de agosto de 2022
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A artralgia é o termo dado ao sintoma de dor em uma ou mais articulações. Quando, além da dor, existem outros sinais inflamatórios como calor, rubor, aumento de volume articular e prejuízo funcional, denominamos de artrite. Essa diferenciação é fundamental pois a artralgia, uma das mais comuns manifestações em Clínica Médica, apresenta baixa especificidade, já a artrite merece uma valiosa atenção uma vez que a avaliação das suas características pode fornecer pistas para o esclarecimento de sua natureza¹.

As causas da artrite podem incluir várias doenças autolimitadas e outras potencialmente incapacitantes. A história e o exame físico geralmente fornecem as informações diagnósticas mais úteis; dados de suporte ou confirmatórios podem ser obtidos de exames laboratoriais e de imagem ou, mais raramente, de biópsia de tecido. Uma anamnese e o exame físico completos são necessários para todos os pacientes com dor articular, pois esse sintoma pode ser a manifestação inicial de uma doença sistêmica.

Que tal saber mais sobre as principais características que devem ser investigadas e os principais diagnósticos diferenciais diante de um paciente com artrite?

Essa dor articular é inflamatória ou não inflamatória? Você sabe como diferenciá-las? 

O ponto inicial na investigação de um paciente com dor articular é determinar se o quadro é predominantemente inflamatório ou não inflamatório (mecânica). Alguns dados da anamnese e exame físico podem ser valiosos nessa diferenciação. A seguir, estão representadas as principais distinções entre elas1-2.

Pontos fundamentais na anamnese e exame físico para investigação

Primeiramente devemos diferenciar se o paciente apresenta artralgia ou artrite. O número de articulações acometidas, que pode envolver apenas uma articulação (monoarticular), de uma a quatro articulações (oligoarticular) e mais de quatro articulações (poliarticular), é de alta relevância, pois norteia as principais etiologias, conforme tabela abaixo¹.

Monoarticular Oligoarticular Poliarticular

Artrites infecciosas (bacterianas, tuberculosa e fúngicas)

Artrites microcristalinas (gota e pseudogota)

Espondiloartrites (EpA) Artrite reumatoide (AR)

É necessário também avaliar o modo de instalação: agudo (comum nas artrites infecciosas e microcristalinas), insidioso envolvendo semanas a meses (AR e artrites infecciosas tuberculosas e fúngicas) ou lento e gradual, ao longo de anos (OA, por exemplo). 

Quando avaliamos a sequência do envolvimento articular, observamos três principais padrões de comportamento: aditivo, migratório e intermitente. No aditivo, as articulações são acometidas sequencialmente, sem que o comprometimento prévio das outras articulações se resolva. É o caso da artrite reumatoide, da artrite reativa e da osteoartrite. No migratório, encontrado na febre reumática e no início da gonocócica, a inflamação cessa em uma articulação e inicia em uma nova. No padrão intermitente, visto nas microcristalinas, a doença evolui com períodos de crises e completa remissão clínica no período intercrítico.

Do ponto de vista prático, as artrites com duração < 6 semanas são ditas agudas (artrites virais e microcristalinas) e com duração ≥ 6 semanas são ditas crônicas (AR, OA e EpA). Outras como as virais (Febre Chikungunya) podem apresentar, além da fase aguda e crônica, um curso subagudo.

Outro detalhe é observar a simetria/assimetria do acometimento articular. Padrão simétrico nos fazem lembrar da artrite reumatoide e das artrites virais, já espondiloartrite (EpA), osteoartrite (OA) e a gota tofácea crônica tendem a apresentar uma distribuição assimétrica. Por fim, avaliar se o comprometimento é predominantemente axial, periférico ou ambos, também é importante na investigação diagnóstica¹.

Após uma história completa, o exame físico é usado para estreitar ainda mais o diagnóstico diferencial. A identificação de uma sinovite aumenta a probabilidade de uma artrite inflamatória ou doença reumática sistêmica. Mas, quais são as características de uma sinovite?³

CARACTERÍSTICAS DA SINOVITE
Inchaço dos tecidos moles
Calor sobre uma articulação
Sensibilidade da linha articular à palpação
Derrame articular
Perda de movimento

No exame articular também podemos avaliar a presença de crepitação, típica da osteoartrite. Alguns sinais devem ser procurados pois apontam para uma condição sistêmica: linfadenopatia, aumento da parótida, úlceras orais, atrito pericárdico/pleural, estertores pulmonares, manifestações oftalmológicas e febre. 

Achados adicionais podem sugerir uma doença específica, como por exemplo, os nódulos subcutâneos, que podem ser devido a nódulos reumatóides ou tofos gotosos. E as lesões cutâneas, que podem sugerir etiologias como artrite psoriásica, lúpus eritematoso sistêmico, infecção viral ou doença de Still. 

Quando devemos suspeitar que não se trata de uma osteoartrite?

A OA, como vimos, é caracterizada por um comprometimento assimétrico e de início gradativo². Os locais mais frequentemente acometidos são as primeiras metacarpofalangeanas (rizartrose), interfalangeanas proximais e distais, coluna vertebral, joelhos e coxofemorais. 

Se o paciente apresentar características como rigidez matinal prolongada, acometimento simétrico ou achados sistêmicos, é necessário pensar em outros diagnósticos diferenciais, entre elas, AR.

Quando e quais exames solicitar nessa situação?

Exames laboratoriais e de imagens nem sempre são necessários para fazer um diagnóstico4. Na suspeita de artrite reumatoide ou outras doenças reumáticas sistêmicas, exames como hemograma completo, provas inflamatórias (VHS e PCR), fator reumatóide, anti-CCP, FAN, creatinina, sorologias de hepatites B e C, exame de urina e radiografias das áreas acometidas podem ser necessários. 

Exames laboratoriais específicos não são necessários para o diagnóstico da OA, assim como os exames de imagens que também não são imprescindíveis na OA de joelhos, quando clássica, mas fundamentais na OA de mãos, quadril, pés e coluna, bem como quando atinge articulações menos comuns como tornozelos. Habitualmente, há dissociação clínico-radiológica na OA, limitando seu uso para tomada de conduta. 

Portanto, a necessidade de exames complementares deve ser avaliada individualmente, bem como o encaminhamento para reumatologista.

Na prática clínica, com muita frequência, deparamos com pacientes com queixa de “dor nas juntas”. Saber reconhecer os padrões dessa sintomatologia é fundamental para estabelecer se a dor é realmente articular e se a condição é ou não inflamatória. 

Na suspeita de artralgia inflamatória, presença de sintomas sistêmicos ou refratariedade ao tratamento, o encaminhamento para o especialista se faz necessário.  A avaliação por um reumatologista pode ser apropriada mesmo para condições não classificáveis, porque a artralgia inflamatória soronegativa é bastante comum e a identificação dessas condições na atenção primária pode ser um desafio.

 

Sobre a autora

Andressa Higa Shinzato 
CRM-MS 12314 RQE 7332

Médica pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) e Reumatologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Possui Título de Especialista em Reumatologia pela Sociedade Brasileira de Reumatologia. Mestranda no Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde Aplicadas à Reumatologia pela UNIFESP.

 

Referências Bibliográficas:

1. Shinjo, SK; Moreira, C; Vasconcelos, JTS; Neto, JFM, Radominski, SC. Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. 2ª edição. Barueri: Manole, 2021. 2. Pujalte GG, Albano-Aluquin SA. Differential Diagnosis of Polyarticular Arthritis. Am Fam Physician 2015; 92:35. 3. Schmerling, RH. Evaluation of the adult with polyarticular pain. In: Helfgott SM, Curtis MR, ed UpToDate. Waltham, Mass.: UpToDate, 2022. 4. Guidelines for the initial evaluation of the adult patient with acute musculoskeletal symptoms. American College of Rheumatology Ad Hoc Committee on Clinical Guidelines. Arthritis Rheum 1996; 39:1.

 

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