Atualizações em gota
Que tal saber mais sobre como realizar adequadamente o manejo da doença de gota?
Por Andressa Higa Shinzato
A doença por depósito de cristais de monourato de sódio di-hidratado, mais conhecida como gota, é uma enfermidade inflamatória articular muito comum. Manifesta-se com episódios súbitos de dor, sensibilidade, rubor, calor e tumefação das articulações. A área mais afetada é a primeira metatarsofalangeana (a famosa “podagra”), mas outras articulações como as dos tornozelos, joelhos, pés, mãos, punhos e cotovelos também podem ser acometidas 1.
Nas últimas décadas os casos se tornaram mais recorrentes por inúmeras razões: fatores dietéticos, síndrome metabólica, uso de fármacos hiperuricemiantes e doença renal crônica (DRC). A gota é uma doença de alta morbidade revelando, com muita frequência, outras comorbidades: sobrepeso/obesidade, sedentarismo, diabetes, hipertensão e síndrome metabólica. Se não tratada adequadamente, interfere na qualidade de vida do paciente, por isso é fundamental a realização de um tratamento correto, tanto para prevenir crises articulares e, consequentemente, deformidades, quanto para reduzir e/ou evitar a formação de cálculos renais e tofos. Nesse sentido, o American College of Rheumatology (ACR) publicou um novo guideline no tratamento da gota em 2020 2.
Que tal saber mais sobre como realizar adequadamente o manejo da doença de gota? A seguir, perguntas e respostas que resumem os principais tópicos do documento da ACR divulgado recentemente.
Crise aguda de gota: como conduzir?
A escolha da classe medicamentosa para o manejo da crise gotosa vai depender da história pessoal de eficácia e tolerância, assim como a avaliação de comorbidades, do paciente. Existem 3 grandes opções para o manejo dessa crise:
● Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) por 5 dias 1;
● Corticosteróides oral (VO), intra-articular (IA) ou intramuscular (IM). Uma dica prática: podemos lançar mão da Prednisona (35 mg/dia VO por 5 dias) ou outras opções não orais como Betametasona IM, Dexametasona IM, Metilprednisolona IM ou Triancinolona IA 3
● Colchicina (0,5 mg/comprimido): na crise, podemos orientar o paciente a usar 1 mg seguido de 0,5 mg após 1h, seguido por 0,5 mg 12/12h por 3 – 5 dias, até melhora da crise ou como profilaxia por alguns meses (vide a seção de prevenção, abaixo). Atenção: O efeito adverso mais comum da colchicina é a diarreia! 1
Os inibidores da IL-1 ou ACTH são reservados para casos refratários.
Além do tratamento medicamentoso, uma medida não farmacológica adjuvante é o uso de gelo local!
Quais são as indicações do tratamento hipouricemiante/terapia uricorredutora?
É fortemente indicado para pacientes com gota com pelo menos um dos diagnósticos abaixo:
● ≥ 1 tofo subcutâneo;
● Evidência de dano radiográfico atribuível a gota;
● ≥ 2 crises/ano.
Em geral, não devemos iniciar o tratamento hipouricemiante na 1ª crise! Porém, existem algumas exceções!
Quando, na 1ª crise, já é indicado o tratamento hipouricemiante?
● Doença renal crônica (≥ Estágio 3);
● Ácido úrico sérico ≥ 9 mg/dl;
● Urolitíase.
Considerar individualmente a introdução do hipouricemiante em pacientes com crise prévia de gota, porém com episódios infrequentes (< 2 crises/ano).
Não devemos iniciar o tratamento em pacientes com hiperuricemia assintomática!
Quais medicações hipouricemiantes podemos utilizar e quando iniciar?
Existem medicações inibidoras da síntese (Alopurinol, Febuxostate), uricosúricos (Benzobromarona e Probenecida) e uricolíticos (Pegloticase).
O Alopurinol pode ser iniciado na vigência da crise?
SIM! Os últimos guidelines indicam que a terapia hipouricemiante pode ser iniciada durante a crise de gota, não sendo mais necessário aguardar a resolução da crise.
O Alopurinol (100 mg/comprimido ou 300 mg/comprimido) é um inibidor da xantina oxidase, primeira escolha de tratamento hipouricemiante inclusive para pacientes com DRC ≥ Estágio 3. É geralmente utilizado na dose de 100 a 600 mg/dia.
Apesar de rara, vale a pena lembrarmos da Síndrome de Hipersensibilidade ao Alopurinol (SHA), cujo risco está elevado na presença do alelo HLA-B*5801. Essa síndrome é caracterizada por exantema, febre, hepatite, eosinofilia e insuficiência renal aguda. Deve-se testar a presença desse alelo para pacientes de etnia asiática e afro-americana. Sempre devemos iniciar com doses baixas de alopurinol (≤ 100 mg/dia e doses menores ainda em pacientes com DRC Estágio ≥ 3) com posterior titulação da dose. E um lembrete importante no manejo da dose do Alopurinol é a correção da dose de acordo com o clearance de creatinina.
O Febuxostate é, assim como o Alopurinol, um inibidor da xantina oxidase, mas não está disponível no Brasil. A sua metabolização é hepática e, portanto, não é preciso redução da dose para insuficiência renal de leve a moderada. A dose inicial deve ser baixa (≤ 40 mg/dia), com posterior titulação. Ele deve ser utilizado como 2ª linha de inibidor da xantina oxidase, caso a resposta esperada não seja atingida com Alopurinol.
Mais recente guideline do ACR recomenda NÃO dosar rotineiramente a uricosúria antes do seu início, nem durante o tratamento. E os pacientes NÃO devem realizar a alcalinização urinária. Nesse guideline, o único uricosúrico recomendado é a Probenecida.
A Benzobromarona é uma medicação uricosúrica utilizada na dose de 25 – 100 mg/dia, porém não está nas recomendações do ACR visto que não é aprovada nos Estados Unidos. Mas, no Brasil é o único uricosúrico disponível (4).
A Probenecida é uma medicação uricosúrica não disponível no Brasil. Não é eficaz para pacientes com clearance de creatinina < 50 ml/min/1,73 m². Quando indicada, deve-se iniciar com doses baixas (≤ 500 mg 1-2x/dia).
A Pegloticase é um medicamento uricolítico endovenoso, não disponível no Brasil, e não deve ser utilizada como tratamento de primeira linha.
Qual é o alvo terapêutico?
O alvo terapêutico é ácido úrico < 6 mg/dL (360 mmol/L).
Como realizar a profilaxia de crises durante o tratamento hipouricemiante?
A profilaxia de crises, quando iniciada a terapia hipouricemiante, é recomendada por 3 – 6 meses. Podem ser utilizados: Colchicina (0,5 mg 1 – 2x/dia), AINEs em baixas doses ou corticosteróides (Prednisona/Prednisolona) em baixas doses.
Existem outras medidas fundamentais no manejo da gota?
SIM! Devemos sempre avaliar medicamentos que possam interferir no manejo da gota. Para pacientes hipertensos, por exemplo, dê preferência para Losartana e evite a Hidroclorotiazida.
Além do tratamento medicamentoso, há algumas recomendações:
● Reduzir o consumo alcoólico;
● Limitar o consumo de purinas e frutoses;
● Perda de peso;
● Atividade física.
É fundamental prevenir as crises, evitar a formação de cálculos renais, reduzir o tamanho dos tofos e evitar a destruição articular. Por isso, o acompanhamento médico é importante para controlar essas condições e manter a qualidade de vida!
Sobre a autora
Andressa Higa Shinzato
CRM-MS 12314 RQE 7332
Médica pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) e Reumatologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Possui Título de Especialista em Reumatologia pela Sociedade Brasileira de Reumatologia. Mestranda no Programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde Aplicadas à Reumatologia pela UNIFESP.
Referências Bibliográficas:
1. Shinjo, SK; Moreira, C; Vasconcelos, JTS; Neto, JFM, Radominski, SC. Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. 2ª edição. Barueri: Manole, 2021. 2. FitzGerald JD, Dalbeth N, Mikuls T, Brignardello-Petersen R, Guyatt G, Abeles AM, Gelber AC, Harrold LR, Khanna D, King C, Levy G, Libbey C, Mount D, Pillinger MH, Rosenthal A, Singh JA, Sims JE, Smith BJ, Wenger NS, Bae SS, Danve A, Khanna PP, Kim SC, Lenert A, Poon S, Qasim A, Sehra ST, Sharma TSK, Toprover M, Turgunbaev M, Zeng L, Zhang MA, Turner AS, Neogi T. 2020 American College of Rheumatology Guideline for the Management of Gout. Arthritis Care Res (Hoboken). 2020 Jun;72(6):744-760. doi: 10.1002/acr.24180. Epub 2020 May 11. Erratum in: Arthritis Care Res (Hoboken). 2020 Aug;72(8):1187. Erratum in: Arthritis Care Res (Hoboken). 2021 Mar;73(3):458. 3. Treatment of gout flares - Uptodate. Último em 15 de Junho de 2022. 4. Pharmacologic urate-lowering therapy and treatment of tophi in patients with gout - Uptodate. Último acesso em 15 de Junho de 2022
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