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A vida é pura incerteza

A pandemia trouxe muitas rupturas e as rotinas começam, aos poucos, a ser restabelecidas. Tradicionalmente, este é o período que as pessoas reservam para planejar o ano. No entanto, muitas têm achado difícil pensar no futuro, mesmo a curto prazo. Sobre essa sensação de incerteza e a necessidade de recomeço, entrevistamos a psicóloga Karen Vogel, psicóloga, mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, especialista em terapia comportamental e em Mindful Self Compassion pela San Diego School of Medicine, nos Estados Unidos. Confira!

Como recomeçar? O que devemos deixar para trás? 

Karen Vogel –
Recomeçar envolve deixar o passado para trás, curar nossos lutos, refazer a vida. A partir das mudanças que vieram com a pandemia, a gente pôde rever uma série de coisas. Podemos olhar as escolhas que fizemos e que não nos servem mais. O que ainda faz sentido para nós? Recomeçar é deixar o velho para
trás. O que devemos deixar para trás é justamente aquilo que não faz mais sentido, aquilo que a gente fazia por condicionamento. Acho que a pandemia trouxe esse choque do que é importante e do que não é. Recomeçar é dar um passo rumo ao novo. É bom recomeçar, matar o antigo que não funciona para o novo vir. 

Como viver em um estado ainda maior de incertezas, como o nosso atualmente, e fazer planos? 

Karen Vogel –
Incerteza e medo sempre estiveram presentes, a insegurança é uma característica da vida, a gente não tem como controlar. A vida é pura incerteza. Diante da constatação de que viver é incerto, ao se dar conta disso, é importante que a gente procure formas de navegar na incerteza. A forma com que a maioria das pessoas faz, até por causa do medo que a incerteza traz, é por meio do controle. Muitas vezes, o controle faz a vida parar, faz a gente ficar chato. Então, é a gente perceber essa parte dentro de nós que, diante da incerteza, tenta controlar tudo, deixar tudo seguro, e lembrar que a vida é impermanência. A gente pode se apoderar dessa verdade sobre a vida e fazer planos em cima das incertezas. Será que vamos conseguir viajar neste ano? Não sabemos. Então, diante dessa incerteza, até onde eu quero me arriscar, ter que refazer os planos? 

Como lidar com o luto? Como reconstruir laços? 

Karen Vogel –
O luto é um processo dolorido. Lidar com o luto é definitivamente entrar em contato com a tristeza, a raiva, o medo. O luto não traz só tristeza, traz uma série de emoções. O mais importante é a gente não colocar a emoção para debaixo do tapete, é preciso vivenciar. É o que a gente chama de aceitação nos modelos de psicoterapia. Aceitar é olhar para a emoção frente a frente, cuidar dela e manejar tudo que essa perda trouxe. E procurar ajuda quando não estiver conseguindo lidar com a emoção. Reconstruir os laços significa ficar presente, ter atenção, conectar-se com as pessoas que ainda vivem ao nosso lado. 

É possível traçar estratégias para cuidar da saúde das nossas emoções? 

Karen Vogel – A pandemia incitou nossa necessidade de controle, nosso medo de morrer, de sofrer, de ficar doente. O impacto foi grande. Muitas pessoas ansiosas que estavam em alta tiveram que voltar à terapia. É possível, sim, traçar estratégias para cuidar da saúde das nossas emoções. A primeira e a melhor delas é não brigar com as emoções. Não se entorpecer de alguma maneira para mandar essas emoções embora. Quanto mais a gente encarar a emoção, menos ela se transforma em transtornos somáticos, que são transtornos que acabam acometendo a saúde do nosso corpo por causa de uma emoção que não foi bem administrada. 

Qual é a importância da autocompaixão, e como praticá-la no dia a dia? 

Karen Vogel –
A autocompaixão é a capacidade de a gente se acolher nos momentos de sofrimento e, ao mesmo tempo, agir. A autocompaixão tem duas questões importantes na sua definição. A primeira é a presença do sofrimento. A segunda é uma ação que gera um alívio desse sofrimento. Então, a primeira coisa é reconhecer o sofrimento, e a segunda parte são as ações, ou seja, efetivamente agir de forma a gerir essa emoção, tratar com gentileza, e não com crítica. Quanto mais eu brigo com esse conteúdo interno, pior eu fico, mais tenho estresse e ansiedade. A autocompaixão é extremamente importante nesse momento.

Este material tem caráter meramente informativo. Não deve ser utilizado para realizar autodiagnóstico ou automedicação. Em caso de dúvidas, consulte sempre seu médico.
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